5 Julho 2023
Atualidade
CONTRA-ENTREVISTA
AO MINISTRO DA EDUCAÇÃO PELO SECRETÁRIO-GERAL DA FNE
Expresso, 30 de junho de 2023
Expresso: Os professores estiveram em protesto praticamente todo este ano letivo. Reconhece-lhes alguma razão
João Costa: Razão, obviamente que sim. Aquilo que reclamam [devolução integral do tempo de serviço que esteve congelado] é legítimo, mas não temos capacidade para responder a todas as suas aspirações. Temos tentado encontrar algumas soluções de aproximação, como a medida do acelerador de carreiras, que não existiria se não tivesse havido esta contestação. Não estava prevista no programa do Governo, mas conseguimos fazer avançar, encontrando também uma medida gémea para as restantes carreiras, porque os períodos de congelamento afetaram todos.
Pedro Barreiros: Toda a razão! Como Professor e Secretário-geral da FNE, reconheço plenamente as razões pelas quais os professores estiveram em protesto durante praticamente todo o ano letivo. É importante compreender que os educadores e professores desempenham um papel fundamental na sociedade, moldando o futuro das próximas gerações e que existem várias questões que os têm levado ao protesto: As condições de trabalho precárias, excesso de burocracia e tempo de trabalho, falta de recursos adequados nas escolas, falta de reconhecimento profissional e a desvalorização da carreira docente, entre outros motivos que foram potenciados pela falta de vontade do Ministério da Educação, tais como a Mobilidade por Doença, a avaliação do desempenho docente, o modelo de concursos, as ultrapassagens na carreira ou a recuperação do tempo de serviço congelado, cuja proposta de “acelerador” não prevê a recuperação de nenhum dia dos 6 anos, 6 meses e 23 dias e impede 50% dos professores de chegarem as três últimos escalões da carreira docente. Diante de todos estes problemas, é compreensível que os professores tenham decidido protestar e lutar por melhores condições de trabalho, na defesa da sua profissão e porque também se manifestam por uma educação de qualidade para todos. A melhoria das condições de trabalho dos professores não é apenas uma questão justa, mas também um investimento no futuro da nossa sociedade. Se queremos uma educação de qualidade e um país próspero, devemos valorizar e apoiar aqueles que estão na linha de frente dessa nobre e exigente tarefa. Portanto, reconheço plenamente a razão dos professores em protestarem e estou empenhado em trabalhar incansavelmente para garantir que as suas reivindicações sejam atendidas e que a educação receba o investimento e o respeito que merece. |
Expresso: Qual foi o impacto destes protestos nas aprendizagens dos alunos?
João Costa: Ainda não temos dados. Embora estivessem convocadas greves o ano inteiro, a adesão [à greve do STOP] foi muito baixa. A ideia que as escolas estiveram paradas o ano todo não corresponde à verdade. Ainda assim, uma greve na educação tem um impacto que nenhuma outra tem. No caso de uma greve na saúde, o doente não tem consulta hoje, tem consulta noutro tempo; nas Finanças, os processos ficam parados, mas são tratados depois. Na educação, o ano letivo não se estende. É tempo de nos focarmos, de uma vez por todas, nas necessidades dos alunos.
Pedro Barreiros: Reconheço a importância de abordar a questão do impacto dos protestos nas aprendizagens dos alunos. Os protestos são uma forma legítima de expressão e participação cívica, pelo que entendo que podem ter impactos tanto positivos quanto negativos nos alunos. Podemos considerar que o impacto dos protestos nas aprendizagens dos alunos pode variar dependendo de diversos fatores, como a duração, a intensidade e a natureza dos protestos. Vendo pelo lado positivo, os protestos podem despertar o interesse em questões sociais e políticas, incentivando o envolvimento em debates e discussões críticas sobre os problemas. Essa participação pode promover o pensamento crítico, a consciência cívica e a capacidade de expressar opiniões. No entanto, é importante reconhecer que os protestos também podem ter efeitos negativos nas aprendizagens dos alunos. Eles podem interromper o funcionamento regular das escolas, resultando em perda de tempo de ensino e interrupção das atividades letivas. Além disso, dependendo da forma como os protestos são conduzidos, eles podem causar algum desconforto emocional nos estudantes, prejudicando a concentração nas atividades escolares. Contudo, não posso aceitar a comparação feita entre o impacto de uma greve na educação e na saúde ou em outros serviços públicos. Pegando no exemplo dado pelo Ministro da Educação, uma greve na educação permite sempre a recuperação das aprendizagens desse dia, uma greve na saúde pode adiar um ato médico e ter consequências bem mais graves. São exemplos como este que são desnecessários e promotores de revolta. Para além de reduzirem a Escola Pública a um “repositório de alunos” e o papel importantíssimo dos professores a “meros vigilantes de crianças e jovens”. Cada professor em protesto, fá-lo com consciência dos reais impactos dessa sua opção. Mas, como líder sindical, o meu papel é defender os direitos e interesses dos Professores. Portanto, é essencial promover um diálogo aberto entre as partes envolvidas, como estudantes, pais, professores e instituições, para que se possa encontrar um equilíbrio entre o exercício legítimo do direito de protesto e a garantia do acesso à educação. Em última análise, acredito que é possível encontrar um equilíbrio entre o exercício do direito de protesto e o ambiente propício para a aprendizagem dos alunos. Com um diálogo aberto, colaboração entre todas as partes interessadas e uma abordagem sensível às necessidades dos estudantes, podemos garantir que os impactos dos protestos nas aprendizagens sejam minimizados. |
Expresso: Os sindicatos já disseram que os protestos vão manter-se no próximo ano. É sustentável continuar a viver com esta instabilidade?
João Costa: Ao longo deste ano demos resposta a problemas muito antigos dos professores. A partir de agora, todos os que reúnam o equivalente a três anos de contrato vinculam. Reduzimos as distâncias nos quadros de zona, criámos escalões para contratados [para não ganharem o mesmo no primeiro ano de serviço ou 10 anos depois] e estamos a dar uma resposta em relação aos efeitos do congelamento do tempo de serviço.
Pedro Barreiros: Gostaria de apresentar uma perspetiva diferente em relação à resposta fornecida. Embora seja positivo afirmar que foram dadas respostas a problemas antigos dos professores, é importante analisar criticamente as soluções propostas e a sua adequação ao real contexto que a profissão docente apresenta atualmente. A afirmação de que todos aqueles que reúnem o equivalente a três anos de contrato passarão a ter vínculo pode não ser uma solução abrangente e justa para todos os professores contratados. Essa medida pode criar uma divisão entre os docentes que atingem esse critério e aqueles que não o atingem, deixando estes últimos numa situação de maior vulnerabilidade e instabilidade profissional. Além disso, embora a redução das distâncias nos quadros de zona seja uma medida positiva é importante considerar se essa redução é suficiente para atender às necessidades dos professores em termos de qualidade de vida, equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e motivação profissional, tendo em conta critérios sociodemográficos que atualmente caraterizam a classe, nomeadamente a idade média e contextos familiares dos candidatos que almejam conseguir a vinculação, não sendo irrelevante levar em consideração que a esmagadora maioria dos candidatos que reúne condições para vincular não é, de facto, recém licenciado, sendo docentes com largos anos de serviço, com famílias estabelecidas e compromissos económicos assumidos. Outras questões, como carga horária excessiva e falta de recursos adequados nas escolas, também precisam ser abordadas para garantir uma melhoria significativa nas condições de trabalho dos professores. A criação de escalões para contratados pode ser vista como uma solução temporária para lidar com disparidades salariais, mas é essencial considerar se essa abordagem realmente resolve o problema de forma sustentável. Em vez de simplesmente criar escalões, seria importante explorar formas de remuneração mais abrangentes e justas para todos os professores, independentemente do seu vínculo ou tipo de contrato. Por fim, embora seja positivo mencionar estarem a ser tomadas medidas para lidar com os efeitos do congelamento do tempo de serviço, é crucial avaliar se essas medidas são suficientes para resolver e compensar adequadamente os professores pelos anos em que tiveram sua progressão interrompida. Esta questão requer uma análise cuidada e negociações com os sindicatos para garantir uma solução justa e adequada. É importante considerar os aspetos críticos e garantir que as medidas implementadas sejam abrangentes, justas e sustentáveis, a fim de atender verdadeiramente às necessidades dos professores. O diálogo contínuo entre os sindicatos, os professores e o Ministério da Educação é essencial para encontrar soluções que realmente melhorem as condições de trabalho e valorizem adequadamente os professores. Se da parte do Ministério da Educação e do Governo não houver esta disponibilidade e interesse pelo diálogo efetivo, resultante de processos negociais muito mais ambiciosos do que “cumprir calendário”, nos quais as verdadeiras preocupações dos professores sejam escutadas, compreendidas e valorizadas, então é certa a continuidade da contestação e da luta dos Professores, porque nunca desistirão de lutar pelo que é justo e que é seu por direito. |
Expresso: Muitas dessas medidas decorrem da lei geral ou de imposições de Bruxelas...
João Costa: O que é certo é que isso não estava a ser cumprido e agora está. E há sempre disponibilidade do Governo para continuar a negociar. Ainda que não tenhamos capacidade de responder a todas as aspirações, não há qualquer razão para a instabilidade continuar no próximo ano letivo. A instabilidade também decorre de uma espécie de competição entre sindicatos. Não vale a pena fazer de conta que não existe.
Pedro Barreiros: Analisando a afirmação "O que é certo é que isso não estava a ser cumprido e agora está." Parece sugerir que algum problema anterior não estava a ser resolvido, mas que agora está a ser cumprido. É importante reconhecer os avanços feitos para resolver questões antigas, o que pode ser positivo em termos de atender às necessidades dos professores. No entanto, é fundamental analisar se o cumprimento é suficiente e se os resultados são satisfatórios para todas as partes envolvidas. "E há sempre disponibilidade do Governo para continuar a negociar." A disponibilidade do Governo para negociar é uma premissa importante para o diálogo e a resolução de questões laborais. O diálogo construtivo é essencial para encontrar soluções que beneficiem tanto os trabalhadores quanto o Estado. No entanto, é necessário garantir que essas negociações sejam transparentes e que haja um compromisso genuíno para chegar a um acordo justo e equilibrado. "Ainda que não tenhamos capacidade de responder a todas as aspirações, não há qualquer razão para a instabilidade continuar no próximo ano letivo." Reconhecer que nem tudo pode ser imediatamente resolvido é realista, pois é difícil resolver todas os problemas criados de uma só vez ou na sua totalidade. No entanto, é importante determinar se as questões mais críticas e urgentes estão a ser tratadas de forma adequada. A instabilidade contínua pode ter consequências negativas para o sistema educativo e para o bem-estar dos professores e alunos, portanto, é essencial priorizar os problemas mais prementes. Foi isso que a FNE fez ao entregar, ao Ministro da Educação, no início da Legislatura um memorando onde apresentava uma proposta de calendarização e identificava os assuntos a tratar, bem como propostas para a resolução dos principais problemas identificados. "A instabilidade também decorre de uma espécie de competição entre sindicatos. Não vale a pena fazer de conta que não existe." A existência de várias organizações representativas dos trabalhadores pode levar a abordagens e formas de ação distintas, o que pode dificultar a obtenção de uma posição unificada e tornar as negociações mais complexas. Nesse sentido, é necessário procurar formas de diálogo e convergência entre os sindicatos para garantir que as vozes dos trabalhadores sejam ouvidas. Ao mesmo tempo as diferenças entre as organizações são saudáveis por representarem a diversidade de opinião, formas de ação e valorizarem a identidade de cada uma, em respeito pelas opções e decisões dos associados que representam. Só assim cada uma das organizações se torna possuidora não só da legitimidade por conduzir essas opções, mas também a responsabilidade das escolhas feitas e consequências que daí advierem. Essa é das mais significativas conquistas do regime democrático em que vivemos, pelo qual lutamos e que brevemente completará 50 anos de existência, e que nos deve fazer refletir a todos sobre a diferença entre união e unanimismo, sendo que o regresso ao último não será certamente do desejo de ninguém. A FNE nunca abdicará de fazer o seu caminho, da forma que a caracteriza, convergindo com outras organizações sempre que se justifique e ao mesmo tempo não abdicando de liderar os processos que entenda dever assumir isoladamente, por decisão dos seus dez sindicatos filiados.Deste modo, afirmar-se que a instabilidade é causada por uma competição entre sindicatos é um ato de desresponsabilização governativa. O Ministério da Educação ao recusar assumir a sua quota parte de responsabilidade na manutenção prolongada e agravamento dessa mesma instabilidade, recorrendo frequentemente a um discurso de vitimização que mais parece ter como objetivo alimentar aquela que pretende ser a narrativa encontrada para responsabilizar outros pela sua própria incapacidade, e até vontade, em procurar verdadeiras soluções para os problemas colocados em cima da mesa. Em simultâneo, desvaloriza a imensa vaga de descontentamento sentida por todos os professores independentemente de serem ou não sindicalizados ou da organização em que se encontram associados. Novamente, o uso deste tipo de argumentos, por parte do Ministério da Educação, apenas amplificam os sentimentos de injustiça e revolta. |
Expresso: O descontentamento dos professores não extravasa a agenda sindical?
João Costa: Que há descontentamento é evidente. Uma pessoa de um sindicato dizia-me outro dia: “Caíram-lhe em cima 20 anos de descontentamento e agora parece que queremos que resolva tudo em seis meses.”
Pedro Barreiros: Como líder de uma organização sindical, posso afirmar que é nosso dever representar e defender os interesses e as reivindicações dos professores que fazem parte dos sindicatos filiados na FNE e daqueles que se reveem na nossa ação e forma de fazer sindicalismo. O descontentamento dos professores é um reflexo, de um longo período de contínua degradação das condições de trabalho, salários e outras questões relacionadas com a carreira docente. Essas preocupações e insatisfações são legítimas e precisam ser tratadas de forma adequada e urgente. No entanto, é importante reconhecer que nem todos os professores se sentem representados ou concordam totalmente com a “agenda sindical”. Alguns professores podem ter opiniões ou interesses divergentes, o que é normal e legítimo em qualquer grupo profissional. Como organização sindical, procuramos ouvir as diferentes perspetivas dos nossos membros de forma aberta e democrática. Isso significa que estamos abertos ao diálogo e à compreensão das necessidades e preocupações individuais dos professores. Além disso, é importante lembrar que o descontentamento dos professores pode extrapolar a “agenda sindical” quando há questões mais amplas que afetam a educação e a sociedade como um todo. Por exemplo, questões políticas, económicas e sociais podem influenciar o bem-estar dos professores, enquanto cidadãos, e a qualidade da educação. Em última análise, a agenda sindical deve ser sensível às necessidades identificadas pelos professores, procurar soluções e apresentar propostas que beneficiem a educação e os seus profissionais. Contudo, é compreensível que nem todos os professores se possam sentir completamente representados pelas ações sindicais, cabendo-nos promover o diálogo e procurar soluções que vão ao encontro das diversas perspetivas e preocupações dos docentes. Sem, no entanto, esquecer o princípio de que é ao diálogo que cabe o papel principal num processo negocial. De igual modo é fundamental recuperar a consciência de que um processo negocial é isso mesmo, um processo que implica cedências de parte a parte sob pena de se criar a ilusão de tudo se poder conseguir sem nada ceder, e nessas circunstâncias passamos a estar perante um processo de imposição mascarado de negociação. É necessário atingir o equilíbrio entre o que se pretende alcançar e o que se está disposto a ceder. Por exemplo, no recente processo negocial sobre o modelo de recrutamento, o Ministério da Educação enunciou 18 pontos em que considerou ter efetuado cedências relativamente à sua posição inicial. É um facto verdadeiro, no entanto esse número representa na prática tão pouco relativamente àquilo que eram as expectativas dos professores que, juntamente com a insistência em não ter em conta as mais significativas reivindicações dos professores, tornou impossível alcançar um acordo. Se é verdade que existe um acumular de décadas de descontentamento, também não deixa de ser verdade que os últimos sete anos, fazem parte substancial desse período. Se não se pode alterar o passado temos a obrigação, no presente, de preparar o futuro e isso só se consegue com o envolvimento e responsabilização de todos. |
Expresso: O Presidente da República acha que é possível ir mais longe na devolução do tempo de serviço. Para o Governo este dossiê está ou não fechado?
João Costa: Para o Governo está fechado. Em 2018 fizemos aquela primeira recuperação do tempo de serviço congelado (de dois anos e nove meses), num paralelo com as outras carreiras da Administração Pública. E agora tomámos a medida de aceleração das carreiras, que é a que consideramos exequível do ponto de vista financeiro. É uma medida equilibrada, já que olha de forma diferenciada para as pessoas que estiveram congeladas na base da carreira, passando nove anos com rendimentos muito baixos, e para as que ficaram congeladas em escalões mais altos.
Pedro Barreiros: Para a FNE estará sempre aberto, enquanto não for resolvido. No que diz respeito à devolução do tempo de serviço, compreendemos que esta é uma questão complexa e sensível para os professores. Reconhecemos que existem opiniões divergentes sobre o assunto, incluindo a posição do Presidente da República, que acredita que é possível ir mais longe na devolução do tempo de serviço. A FNE pensa o mesmo. Entendemos que a contabilização do tempo de serviço é uma reivindicação legítima dos professores, pelo que continuaremos a exercer nossa ação sindical na procura de soluções que atendam aos interesses e às legitimas aspirações dos professores. No entanto, é importante destacar que qualquer decisão em relação a esta matéria cabe ao Governo. Como organização sindical, estamos empenhados em manter um diálogo construtivo com o Governo para encontrar as respostas adequadas às necessidades dos professores e garantir uma carreira valorizada e justa. A FNE nãodesiste deste e de outros dossiers que considera fundamentais para conseguir a justa valorização e reconhecimento da profissão docente! |
Expresso: O Governo diz que não é possível ir mais longe, mas depois anuncia um aumento de pensões com um impacto de €1000 milhões, quase o triplo do que custaria a contagem de todo o tempo de serviço dos docentes. Não é desequilibrado?
João Costa: Ao longo deste ciclo político temos vindo a dar resposta aos sectores que historicamente estão pior. O aumento do salário mínimo teve uma evolução muito grande desde 2015 e os valores das pensões têm margem para crescimento. No que diz respeito ao tempo de serviço, os €330 milhões [calculados pelas Finanças] seriam apenas para a carreira docente. E teria de ser encontrada uma medida que chegasse também às outras carreiras, o que faria amplificar bastante esse valor.
Pedro Barreiros: Cada situação é única e requer uma abordagem adaptada às circunstâncias específicas. O objetivo final deve ser alcançar um equilíbrio justo entre as necessidades dos aposentados e dos docentes, por meio de diálogo, negociação e ação coletiva. Importa compreender a motivação apresentada pelo governo para justificar essa diferença de tratamento, bem como ter um conhecimento real sobre os números envolvidos, uma vez que o governo não acerta nos valores, nem como eles afetam diretamente os docentes e o sistema de pensões. Se o aumento das pensões é uma medida importante para garantir a segurança financeira dos aposentados, também é verdade, importante e fundamental valorizar e reconhecer o trabalho dos docentes, cuja contagem do tempo de serviço é uma reivindicação legítima e justa. |
Expresso: Apesar do diploma que acelera as carreiras prever uma progressão mais rápida de 1 ou 2 anos para milhares de professores em funções, deixa outros tantos de fora e a maioria nunca chegará ao topo. Vão reformar-se nos próximos anos com pensões na ordem dos €1400. É justo?
João Costa: A medida vai permitir que todos os professores que estiveram em funções ao longo de todo o período de congelamento possam aspirar chegar a um dos três escalões mais altos. É preciso não esquecer onde estávamos e onde estamos. Até ao descongelamento das carreiras, mais de 30% estavam nos primeiros três escalões e hoje essa percentagem encontra-se nos 3 escalões mais altos. Há uma evolução assinalável. E comparando com a Administração Pública, a dos professores é uma das carreiras, senão a carreira, com maior percentagem de profissionais no topo. E não compara mal quanto aos salários.
Pedro Barreiros: Se é verdade que o diploma que acelera as carreiras pode resultar numa progressão para milhares de professores, permitindo uma progressão aos 5º e 7º escalões ou a aceleração de um ano para os que estão entre o 7º e 9º escalões, também é verdade que muitos milhares de professores, cerca de 50%, ficarão impedidos de alcançar o topo da carreira. A afirmação feita pelo Ministro da Educação é muito preocupante, pois assume que a Carreira Docente passa a ter vários topos ou limites: Os que conseguirão chegar ao 10º escalão; os que conseguirão chegar a um dos três últimos escalões. Isto não é menos, bem pelo contrário, daquilo que a Ministra Maria de Lurdes Rodrigues, pretendia fazer com a divisão da Carreira dos Pro0fessores em duas categorias, impedindo que 2/3 dos professores chegassem ao topo da carreira. O atual Ministro parece querer ir ainda mais longe! A FNE defende a importância de critérios transparentes e objetivos para a progressão nas carreiras, garantindo a igualdade de oportunidades para todos os docentes. Nesse sentido, é fundamental que o governo resolva as assimetrias que criou, nomeadamente as que tiveram origem no reposicionamento de professores e que resultaram em ultrapassagens na carreira e a contabilização de todo o tempo de serviço prestado, a fim de garantir que todos os professores possam ser beneficiados e tenham a oportunidade de progredir na carreira, sem constrangimentos administrativos. A FNE, garante utilizar todos os meios disponíveis para defender os interesses dos professores, nomeadamente a justiça no desenvolvimento da carreira docente e as condições de aposentação, procurando o diálogo e a negociação com o Ministério da Educação. Para tal é condição necessária haver a mesma disponibilidade do Ministério da Educação e devendo deixar de fazer comparações com outras carreiras da Administração Pública, conforme lhe resulta mais favorável. Temos bem presente que foi com esta equipa governativa e com este Ministro da Educação que a Carreira Docente deixou de estar equiparada ao topo das Carreiras da Administração Pública. |
Expresso: Os sindicatos alegam que o impacto dos protestos nos alunos é muito menor do que o causado pelas dificuldades de contratação de professores. Consegue garantir que o próximo ano arrancará sem problemas?
João Costa: Nós arrancámos este ano com os horários praticamente todos preenchidos. Portugal ainda não tem um problema estrutural de falta de professores, como há por exemplo na Alemanha, nos EUA ou em Itália. Além dos professores colocados no início do ano letivo, colocámos mais de 30 mil ao longo do ano, para suprir necessidades [substituição de docentes que ficaram de baixa ou se aposentaram].
Pedro Barreiros: Importa começar por estranhar a aparente contradição de quem afirma não haver um problema estrutural de falta de professores e simultaneamente afirmar que foram colocados 30 mil ao longo do ano, por motivos de baixa ou aposentação. Não seria possível prever com a devida antecedência o número de professores que, ao longo do ano, estariam em condições de ir para a aposentação? Não seria possível dotar os Quadros das escolas e/ou QZP com o número de docentes necessários para dar a resposta necessária a outras situações, evitando haver milhares de alunos sem aulas? A análise da situação de falta de professores em Portugal, levando em consideração fatores como o envelhecimento da classe docente e as necessidades de substituição de professores tem vindo a ser feita por diversos organismos e instituições. Embora o M.E possa ter conseguido preencher a maioria dos horários no início do ano letivo, é importante considerar se isso é suficiente para atender às necessidades futuras. É fundamental abordar a questão da qualificação e competência dos professores colocados. O fato de terem sido colocados mais de 30 mil professores ao longo do ano não significa que não existe uma falta estrutural de docentes. É importante avaliar se esses profissionais têm a formação adequada e estão preparados para atender às necessidades dos nossos alunos. Ao discutir a falta de professores, é necessário considerar as condições de trabalho e os desafios enfrentados pelos docentes. Questões como carga horária excessiva, falta de recursos e apoios adequados, salários pouco atrativos e a falta de incentivos para atrair e reter profissionais qualificados podem contribuir para a perceção de uma falta estrutural de professores. Embora a afirmação do Ministro sugira que Portugal está em uma posição melhor em comparação com outros países, é importante analisar o contexto de cada um deles. Embora possa haver problemas estruturais mais graves em países como Alemanha, EUA ou Itália, isso não significa que Portugal não deva abordar de forma proativa e preventiva os desafios atuais e futuros relacionados à falta de professores. Este tipo de atuação será essencial para que se promova a necessária renovação de gerações dentro da profissão, acautelando assim o agudizar da situação atual e, por outro lado, permitir que o saber e as boas práticas acumuladas ao longo do tempo não se perca. É nosso dever representar os interesses dos professores e promover melhores condições de trabalho. É essencial utilizar argumentos sólidos, baseados em dados e evidências, para demonstrar a necessidade de ações concretas que enfrentem a possível falta estrutural de professores em Portugal. Ao fazer isso, estaremos a contribuir para assegurar a qualidade da educação e para valorizar a classe docente, além de criar um ambiente propício para atrair e reter professores qualificados. |
Expresso: Ainda assim, há turmas que não têm tido aulas a uma disciplina durante meses. É admissível?
João Costa: Claro que não. E por isso tomámos várias medidas no verão, que fizeram com que o tempo de substituição de um professor reduzisse para cerca de três semanas na maioria dos casos. Por agora, as maiores dificuldades sentem-se a Português, Inglês e Geografia. Mas há um sinal positivo de crescimento da procura nos cursos de formação para professores. Por isso, em conjunto com o Ensino Superior, queremos criar condições às faculdades para abrirem mais vagas nos mestrados de Ensino.
Pedro Barreiros: A afirmação em questão parece sugerir que as medidas tomadas durante o verão de 2022 foram suficientes para reduzir o tempo de substituição de professores e que há um sinal positivo de crescimento da procura nos cursos de formação para professores. No entanto, embora seja afirmado que as medidas tomadas no verão passado tenham reduzido o tempo de substituição para cerca de três semanas na maioria dos casos, é necessário questionar a eficácia dessas medidas. É importante avaliar se essa redução foi generalizada e se o tempo de substituição é realmente adequado para garantir uma continuidade efetiva no processo educativo. Além disso, é preciso considerar se as medidas tomadas foram as suficientes para abordar a falta estrutural de professores em áreas como Português, Inglês e Geografia, e analisar em que medida a procura por cursos de formação é suficiente para suprir a falta de professores em áreas específicas, percebendo se há uma correlação direta entre a procura nos cursos de formação e a disponibilidade de vagas para professores qualificados nessas áreas. A sugestão de criar condições para que as faculdades abram mais vagas nos mestrados de Ensino é uma medida que merece uma análise crítica, devendo ser fundamentada, para se perceber se o aumento do número de vagas nos mestrados é uma solução efetiva para enfrentar a falta de professores em áreas específicas e se a qualidade da formação dos professores será mantida ou comprometida. De forma mais objetiva, é importante questionar se as medidas mencionadas vão tratar a falta de professores como um problema estrutural a ser enfrentado de forma abrangente e preventiva, ou apenas encontrar soluções de emergência. Defendemos que é essencial analisar as propostas que vierem a ser apresentadas à luz da complexidade do problema da falta de professores, a fim de garantir uma abordagem mais abrangente e efetiva para enfrentar essa questão de forma sustentável. |
Expresso: Vai continuar a ser necessário recrutar professores sem formação pedagógica para dar aulas?
João Costa: Este ano recrutámos cerca de 2800 professores nessa situação, mais 400 do que ano anterior. O que vamos fazer é permitir que estes professores tenham meios mais ágeis de complementar a sua formação para poderem profissionalizar-se. É uma das minhas principais preocupações porque a aceleração das aposentações não tem sido compensada pela formação. Mas há movimentos interessantes a acontecer, como uma grande fuga de professores do ensino privado: desde 2020, pelo menos 12 mil docentes passaram para a escola pública. E também há quem tenha abandonado a carreira e esteja a regressar.
Pedro Barreiros: A necessidade de recrutar professores sem formação pedagógica para dar aulas é uma questão complexa e que um Governo liderado pela mesma pessoa, desde 2015 não devia ter deixado chegar ao ponto de em 2023, parecer estarmos a regressar aos anos 80, onde passamos por problemas idênticos de falta de professores qualificados, mas que se soube, e conseguiu resolver nas décadas seguintes. Infelizmente o desinvestimento na educação e a mudança abrupta de um estado de “paixão” para o que hoje parece ser um “ódio de estimação”, resultou na degradação das condições de trabalho e consequentemente na menor procura pela profissão. Seria importante, para podermos perceber corretamente a alegada “grande fuga” de professores do ensino privado para a escola pública, qual a origem e destino desses professores e quantos são os que depois de abandonarem a carreira, optaram por regressar? Estas afirmações do Ministro da Educação são preocupantes, pois parece assumir-se como Ministro do Ensino Público ao invés de se assumir como Ministro da Educação, esta sim um serviço público que pode e deve ser assegurado pelo sistema público de Ensino em complementaridade com as instituições privadas, sejam elas de ensino particular ou do setor social, esquecendo porventura o papel essencial que estes setores específicos desenvolvem nomeadamente no referente ao ensino pré escolar e primeiro ciclo, mas não só. Tais afirmações, por parte do Ministro responsável pelo setor da Educação configuram a sua desresponsabilização pelo setor privado de educação, ao assumir a “fuga” como sendo um movimento interessante. Não nos parece que uma lógica “nós e os outros” seja a melhor forma de resolver um problema nacional e que não se aplica exclusivamente a um dos lados, melhor ainda, não devia haver lados! Uma vez que consideramos ser desejável que todos os professores, sejam do setor público ou do setor privado, possuam formação pedagógica adequada, apesar de sabermos existir situações em que a contratação de profissionais sem essa formação pode ser necessária, sendo que nessas situações é fundamental proporcionar-lhes o acesso à sua profissionalização através de formação adequada e de qualidade. No entanto, é importante realçar que essa não deve ser uma prática recorrente ou a norma. Portanto, para a FNE, o foco deve estar sempre na formação pedagógica de qualidade e na valorização dos professores como pilares fundamentais para garantir uma educação de excelência e equidade para todos os alunos. |
Expresso: A que se deve essa “fuga”?
João Costa: Em primeiro lugar, à diferença salarial média [entre o ensino público e privado], que é de €300. Aliás, o acordo coletivo de trabalho no ensino particular tem condições que eu nem sequer sonharia propor aos sindicatos em termos de carga horária semanal e de vencimentos.
Pedro Barreiros: No geral, para a FNE enquanto organização sindical, é nosso dever defender a igualdade de direitos, condições de trabalho justas e salários adequados para todos os professores, independentemente do setor em que atuam. Devemos trabalhar para reduzir as disparidades e promover a valorização da profissão docente, garantindo que a educação seja tratada como uma prioridade e que os docentes sejam devidamente reconhecidos e remunerados pelo seu trabalho. A desvalorização feita pelo Ministro da Educação relativamente ao acordo coletivo de trabalho subscrito entre a FNE e a CNEF, não é mais do que uma fuga em frente levada a cabo pelo Governo, à qual me permito reagir com mágoa ao verificar que se conseguem alcançar acordos com outras entidades, e que tal não se verificou até à data possível com o Ministério da Educação. Porque será? Estou certo de que não será pela inflexibilidade ou irredutibilidade sindical, conforme tem vindo a ser sistematicamente repetido pelo Ministério da Educação em sede das diferentes comunicações feitas sobre os processos negociais até agora realizados, em que não foi possível chegar a acordos. E tal não foi possível em nenhum dos processos negociais iniciados desde a tomada de posse do atual Governo e cujo início remonta a maio de 2022. |
Expresso: E entre os alunos, há mais idas para o privado, tendo em conta a situação vivida na escola pública?
João Costa: Os dados não o indiciam.
Pedro Barreiros: Desconhecemos esses e outros dados. Não tem sido prática do Ministério da Educação a disponibilização de dados que nos permitam debater os assuntos com base em dados concretos passíveis de serem fornecidos, mesmo quando solicitados. É uma forma de atuação que em nada abona para o restauro da necessária confiança e pacificação do setor. |
Expresso: Disse que a alteração ao modelo de colocação dos professores visava acabar com o “casa às costas”. Mas no próximo ano todos os professores que vinculem ao abrigo das novas regras serão obrigados a concorrer para todo o país. Estamos a falar de pessoas com 40/50 anos, com família e filhos.
João Costa: É uma disposição transitória para evitar ultrapassagens. Mas em 2024 abrirão 20 mil lugares em escolas. Depois só saem dali se quiserem. Não têm de andar à procura de horários todos os anos. O tempo médio de vinculação que tínhamos até aqui era de 16,5 anos.
Pedro Barreiros: Para o Ministério da Educação parece haver uma grande preocupação com o sistema e uma falta de respeito com os professores e as suas famílias. Por isso verificamos ter havido cerca de 20% dos professores que optaram por não concorrer à vinculação dinâmica, número que poderá vir a aumentar quando tiverem de tomar a decisão sobre a aceitação da colocação. O Ministério da Educação teve a oportunidade de alcançar um acordo histórico sobre o modelo de seleção e recrutamento do pessoal docente, que conseguiu desperdiçar, falhando na forma como conduziu o processo negocial, na comunicação das ideias e na qualidade das propostas apresentadas. O apregoado combate da “casa às costas” não passa de uma tentativa falhada e promotora de uma nova figura, por nós caracterizada como “Professores de mochila às costas”. |
Expresso: O Governo prometeu a criação de incentivos para quem for dar aulas para zonas onde a oferta é escassa. Médicos, juízes ou deputados já têm apoios, através da majoração de salários ou subsídios à deslocação. Porque é que ainda não foi feito nada a esse nível?
João Costa: Vai ser feito. É uma das etapas seguintes. Não posso adiantar nada porque estamos a ver muitos cenários em paralelo. Mas as regiões estão sinalizadas e são sobretudo em Lisboa e no Algarve, devido ao custo da habitação.
Pedro Barreiros: Vai ser feito... é uma das etapas seguintes... Não posso adiantar nada... São as respostas de um Ministro da Educação que, de facto, revela pouca capacidade de resolução dos problemas. Neste momento a Educação é um setor, que apesar de estratégico para o desenvolvimento social e económico do País, está a ser governado por “navegação à vista”, para o qual não existe uma estratégia de ação definida. A ação governativa no setor é maioritariamente reativa (e ainda assim mal!) ao invés de ser proativa e preventiva. Trata-se de uma ação perigosa dado que os seus efeitos serão sempre diferidos no tempo e aferidos pela efetiva capacidade que os nossos alunos de hoje terão de ser a população ativa de amanhã. |
“Horas de reuniões, muitas manifestações à porta e protestos na rua. Há muito tempo que não se vivia um ano letivo tão agitado no Ministério da Educação. Ainda assim, João Costa diz estar “muito motivado” para continuar.” | ............... | Horas de reuniões, muitas manifestações e protestos nas escolas e na rua. Há muito tempo que não se vivia um ano letivo tão agitado na Educação. Ainda assim, Pedro Barreiros diz estar “muito motivado” para continuar. |
Leia aqui a contra-entrevista completa e divulgue: bit.ly/3D0swud
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